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No jogo de xadrez, o xeque é resultado de um lance que deixa o rei, a peça principal do tabuleiro, numa situação difícil, quase sem saída. Talvez sem querer, foi esse movimento que o ministro da Justiça Flávio Dino fez durante uma conversa com Lula há algumas semanas, quando confidenciou ao presidente que estava sendo pressionado pela esposa a cuidar da saúde. Muito acima do peso, o ministro contou que seu médico teria lhe advertido sobre os riscos de continuar trabalhando na intensidade que o cargo exige. “Preciso mudar de hábitos, preciso mudar de vida”, explicou. Os dois discutiram então alternativas para contornar o problema. Um assessor direto do presidente relatou os detalhes do que foi falado no encontro. Segundo ele, Dino, senador licenciado, admitiu a possibilidade de reassumir o mandato no Congresso. Nas entrelinhas, porém, também disse que gostaria de ter seu nome considerado como opção para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Lula, ainda segundo o relato do assessor, entendeu o recado, mas nada disse. Nos dias que se seguiram, o nome de Flávio Dino passou a circular como favorito a ocupar a vaga aberta no Supremo com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. O presidente também passou a ouvir de aliados, políticos e magistrados manifestações de apoio ao ministro da Justiça. Em um jantar no Palácio da Alvorada, um ministro do STF fez rasgados elogios a Dino e chegou a perguntar diretamente a Lula sobre a hipótese dele ser indicado. “E ele quer?”, desconversou o petista. “Achei que ele queria ser presidente da República”, completou em tom de brincadeira. Lula tem um carinho especial por Flávio Dino e sabe o quão importante seria ter no STF alguém que é ao mesmo tempo juiz de carreira e aliado histórico. O problema é que o movimento do ministro empurrou o presidente para o canto do tabuleiro político.

Cabe exclusivamente ao presidente da República a indicação de um ministro do STF. Depois, o escolhido é sabatinado e precisa ser aprovado pelo Senado. O processo pode ser simples e rápido ou demorado e desgastante, dependendo do perfil do candidato e do cenário político. Em junho, Lula indicou Cristiano Zanin, seu ex-­advogado particular, para o lugar do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou. Fora alguns protestos isolados, não houve turbulências. Desta vez, no entanto, os “supremáveis” que teoricamente disputam a vaga reúnem certas particularidades que tornam mais delicada a definição do nome. Além de Flávio Dino, constam como postulantes ao cargo o atual presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, e o advogado-geral da União, Jorge Messias. Dantas é o preferido de nove a cada dez políticos em Brasília. Messias, de nove a cada dez petistas. Dino conta com o apoio e a simpatia de um grupo influente de magistrados.

A indicação do presidente do TCU era tida como a mais provável até surgir o nome de Flávio Dino. Tanto que, no Senado, já estavam adiantadas as articulações para a substituição de Bruno Dantas na corte de contas. Assim, a definição que parecia tender para ser simples e rápida passou a apontar na outra direção. No Congresso, houve ameaças de rebelião da própria base aliada do governo. Adver­sá­rios do ministro da Justiça passaram a espalhar rumores de que ele estaria pleiteando o cargo para escalar uma futura candidatura presidencial. Dino, aliás, já foi questionado a esse respeito. “Se um dia, talvez, eu fosse para o Supremo e pensasse em retornar à política, haveria uma premissa de que eu usaria a toga para ganhar popularidade. Isso eu não farei, ou faria. Jamais. Seria uma decisão definitiva. Ou será, sei lá”, afirmou ao jornal O Globo, deixando evidente que a indicação está mesmo no seu horizonte.

Para tentar adiar ou minimizar os prováveis desdobramentos derivados de sua decisão — desagradar à classe política, desagradar aos petistas ou desagradar à classe política e aos petistas –, Lula já considerou inclusive a possibilidade de adiar a indicação para 2024 (postergar ou fazer pouco, aliás, tem sido uma máxima deste governo). O fato é que, apelando pelo lado pessoal, Dino colocou o presidente em xeque. Em agosto, o ministro teve um pico de pressão. Exames apontaram que alguns marcadores estavam fora do normal. Os médicos então alertaram que ele precisava urgentemente fazer um regime e diminuir o ritmo de trabalho, sob pena de que algo mais grave lhe acometesse a qualquer instante. Desde então, Dino é acompanhado por uma cardiologista, segue uma dieta rigorosa e já perdeu 10 quilos. Ainda falta, porém, mudar a rotina de trabalho. Esse último lance, no entanto, depende de Lula. Publicado em VEJA

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