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São necessário nove litros de água para fazer um quilo de hidrogênio verde, a energia mais limpa do mundo porque não emite carbono na sua produção e muito menos no seu uso, seja em veículos, na agricultura, nos reagentes químicos ou em fornos industriais. Zero carbono. Logo, a solução perfeita para o maior problema da humanidade hoje, as mudanças climáticas.

Marcelo Coutinho, professor e pesquisador de hidrogênio da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.

Em primeiro lugar, por que o clima é assim tão ameaçador agora? Porque mata mais que a guerra na Ucrânia. Centenas de milhares de pessoas morrem por ano em decorrência direta da crise climática. Apenas em um único evento de chuvas, na Líbia, morreram o equivalente a três meses no conflito armado do leste europeu. E esse número de mortes do clima pode aumentar em algumas décadas muito mais do que qualquer outra guerra mundial. O aquecimento do planeta está em rota de colisão com todas as civilizações. Este é um fato científico.

Em segundo lugar, não é muita água para fazer o hidrogênio? Sim, é muito água, mas essa água não vai desaparecer, não vai ser jogada fora ou algo do tipo. Ela volta para a atmosfera, e consequentemente volta depois para os rios, oceanos, lagos e aquíferos, porque, quando usado, o hidrogênio se transforma de novo em vapor de água em contato com o oxigênio do ar. Esse vapor de água forma nuvens e se precipita. Cai, então, a chuva e segue o ciclo natural.

Mas a água precisa ser doce. A população não vai ficar sem água? Aí depende. Se a produção for feita em megaescalas em locais de seca crônica grave, isso é possível acontecer nessas localidades específicas, mas ainda assim no longo prazo, o hidrogênio verde irá ajudar a tornar a aridez dessas regiões cada vez menor. Quando mais o hidrogênio verde (H2V) for usado, menos seco ficará o ar, e mais a população será beneficiada. Lembre-se o hidrogênio libera apenas vapor de água!

O ideal é que o hidrogênio verde seja produzido onde há abundância de água doce, de preferência no litoral e sem seca ao redor, porque evita crises de escassez e pode sair muito mais barato. Se for feito em zonas áridas, o hidrogênio deverá usar parte do tratamento da água e, portanto, dos investimentos, para abastecer a população. Do contrário, haverá uma grande injustiça que deve ampliar os conflitos e as instabilidades decorrentes da falta permanente de água. Ninguém deveria escolher abrir primeiramente uma grande fábrica dessas em estados com risco hídrico elevado.

É importante ressalter que um dos problemas do aquecimento global é justamente aumentar a má distribuição dos fluxos hídricos naturais. Em outras palavras, as mudanças climáticas pioram a desigualdade de acesso à água. Em alguns lugares, vai chover cada vez mais, inundando tudo, e, em outros, a seca vai piorar até tornar impossível a vida. Então, sem o hidrogênio verde os problemas de abastecimento serão infinitamente maiores no mundo. Aliás, todos os problemas serão muito maiores, a começar pelo calor mortal.

Sendo assim, locais como a cidade de Icatu são ideais para produzir hidrogênio em qualquer escala porque tem muita água doce, chuvas regulares abundantes, e está situada numa baía calma, numa posição perfeita para escoar a produção por terra e pelo mar, além da proximidade com parques eólicos onshore e offshore, num contínuo que parece fazer do município a cabeça natural de um sistema de energia renovável. O vento abundante é outro ingrediente chave para fazer o H2V. Nada se compara à margem equatorial no que se refere à energia limpa.

Mas se a produção de Icatu aumentar demais, pode chegar a um ponto de prejudicar os mananciais? Como tudo há um limite, e o limite de Icatu é o mais folgado que existe no mundo para fazer o hidrogênio verde. Na cidade das águas boas, dá produzir de 2 a 5 milhões de toneladas de H2V, o que equivale mais ou menos de 13 a 32 bilhões de litros de diesel em combustível. Para se ter uma ideia, essa quantidade seria suficiente para substituir de 25% a 60% de todo o diesel que o país inteiro consome anualmente. Sim, algo que não se encontra em outro lugar, só em Icatu (MA).

É claro que uma parte grande dessa produção, e se preferir toda ela, terá que vir da dessalinização da água costeira. Os israelenses, por exemplo, já dessalinizam há décadas, e este é um dos grandes segredos do desenvolvimento do país. Os desafios que existem são manejáveis, e podem até gerar mais riqueza com a produção, entre outros, de soda cáustica com o subproduto salobro. O fluxo de salmoura também pode ser aproveitado para gerar energia. E mesmo que fosse simplesmente lançadas de volta ao mar, as toneladas de salmoura são pingos d´água no Oceano. Não podemos nunca perder de vista que o aquecimento global é o grande perigo para a vida marinha, a começar pelos corais, seja por causa do calor diretamente seja em função do derretimento das geleiras.

Os estados secos poderão também produzir H2V, mas cerca de 20% da água tratada ou dessalinizada dessa produção terá que ser destinada ao abastecimento da população, ou algum conflito pode ser desencadeado. Portanto, tudo é uma questão de saber fazer e onde fazer, com a escala certa. Estaremos no fundo exportando água para outros países? Desde que isso traga mais benefícios à população, não há problema. Ninguém exporta mais água do que o agronegócio brasileiro, e há muito tempo. Essa não é a questão. Podemos também agregar valor ao que exportamos com o refinamento desse H2V e com a produção de aço e alumínio verde. Tudo ao nosso alcance. Tudo!

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